Saiba ouvir as diferentes partes antes de chegar a uma conclusão

03/06/2012 15:36

 

CASO DE MIGUEL

 

1ª Parte:

Miguel é um artista, solteiro, de boa aparência, 33 anos de idade. Eis, a seguir, como foi percebido por diversas pessoas no dia "X".

 

RELATO DA MÃE:

"Miguel levantou correndo, não quis tomar café da manhã, não ligou para o bolo que eu havia feito especialmente para ele. Só apanhou os seus pertences sua prancheta . Não quis colocar o cachecol que eu dei. Disse que estava com pressa e reagiu com impaciência a meus pedidos para se alimentar e abrigar.

Ele continua sendo uma criança que precisa de atendimento, pois não reconhece o que é bom para si próprio."

 

RELATO DO CHOFER DE TÁXI:

"Hoje de manhã apanhei um sujeito que eu não fui com a cara dele. Estava de cara amarrada, seco, não queria saber de conversa, tentei falar sobre futebol. sobre política, sobre tráfego e sempre me mandou calar a boca, dizendo que tinha de se concentrar. Desconfio que ele é um cara subversivo, desses que a polícia anda procurando ou um desses sujeitos que assaltam chofer de táxi para roubar. Aposto que andava armado. Finalmente me livrei dele."

 

RELATO DA GARÇONETE DA LANCHONETE:

"Ontem à noite ele chegou aqui acompanhado de uma morena bem bonita por sinal. mas não deu a mínima bola para ela. passou o tempo todo olhando pra tudo que era mulher que chegava. Quando entrou uma, loira de vestido colante, me chamou e queria saber que m era. Como eu não conhecia, não teve

dúvidas: Foi na mesa dela falar com ela. Eu disfarcei e passei por perto e

só pude ouvir que ele marcava um encontro ás 09:00 horas da manhã, bem nas barbas do acompanhante dela! Sujeito peitudo! Essa foi demais!

 

RELATO DO ZELADOR DO EDÍFICIO:

" Ele não é muito certo da bola, não, Às vezes cumprimenta, às vezes finge que não vê ninguém. As conversas dele a gente não entende, é parecido com um parente meu que enlouqueceu. No dia "X" de manhã chegou até falando sozinho. Eu dei um bom dia e ele me olhou com um olhar estranho e disse que tudo era muito relativo, que as palavras não eram iguais pra todos e nem as pessoas. Me deu um puxão na gola e apontou pra uma senhora que passava e disse que cada um que olhava para ele via uma coisa diferente, disse também, que quando ele pintava um quadro aquilo é que era realidade. Dava risadas. Está

na cara que ele é lunático."

 

RELATO DA FAXINEIRA:

" ele anda sempre com um ar misterioso. Os quadros que ele pinta a gente não entende. Quando ele chegou, na manhã do dia "X", ele me olhou meio enviasado e eu tive um pressentimento de que ia acontecer alguma coisa ruim. Pouco depois chegou a moça loira. ela me perguntou onde ele se encontrava e eu disse; Daí a pouco eu ouvi ela gritar e ai acudi correndo. Abri a aporta de supetão e ele estava com uma cara furiosa e olhando para ela, cheio de ódio. ela estava jogada no chão, tinha uma faca. Eu saí gritando: Assassino."

 

CASO MIGUEL

2ª PARTE

 

Eis, a seguir, como Miguel relata o que aconteceu no dia "X"

 

" Eu me dedico a pintura de corpo e alma. O resto não tem importância. Há meses que quero pintar uma Madona do século XXI, mas não encontro uma modelo adequada, que encare a beleza, a pureza e o sofrimento que eu quero retratar.

 

Na véspera do dia "X", uma amiga me telefonou dizendo que tinha encontrado a modelo que eu procurava e propôs nos encontrarmos na lanchonete que ela freqüentava, eu estava ansioso para vê - la. Quando ela chegou, fiquei fascinado: era exatamente o que eu queria! Não tive dúvida: fui até a mesa dela, me apresentei e pedi para ela posar para mim. Ela aceitou e marcamos um encontro no atelier às 09:00 horas da manhã. Eu nem dormi direito naquela noite, me levantei ansioso, louco para começar o quadro, nem podia tomar café da manhã de tão angustiado.

No Táxi comecei a fazer um esboço, pensando nos ângulos da figura, no jogo de luz e sombra, na textura, nos matizes...

 

Quando entrei no edifício, eu estava cantando baixinho, o zelador falou comigo e eu nem tinha prestado atenção. Aí eu perguntei; O que foi? e ele disse: Bom dia. nada mais do que bom dia. Ele não sabia o que aquele dia significava para mim! Eu tentei explicar para ele. Eu disse que a verdade é relativa, que cada pessoa vê a mesma coisa de forma diferente . Quando eu pinto um quadro, aquilo é minha realidade. Ele me chamou de lunático. Eu dei uma risada e disse; está ai a prova do que eu disse: O lunático que você vê não existe!

 

Quando eu subia a escada, a faxineira veio me espiar. Não gosto daquela velha mexeriqueira.

Entrei no Atelier e comecei a preparar a tela e as tintas, quando estava limpando a paleta com uma faca, tocou a campainha, abri a porta e a moça entrou. ela estava com o mesmo vestido da véspera e explicou que passara a noite em claro, numa festa.

 

Eu pedi que sentasse no lugar indiciado e que olhasse para o alto... que imaginasse inocentes sofrendo... que...

 

Aí ela me enleou o pescoço com os braços e disse que eu era simpático, eu afastei seus braços e perguntei se ela tinha bebido. Ela disse que sim, que a festa estava ótima, que foi uma pena eu não ter estado lá, que ela sentiu minha falta, que gostava de mim... quando me enlaçou de novo eu a empurrei e ela caiu no chão e gritou.

 

Nesse instante a faxineira entrou e saiu berrando: Assassino!

A loira levantou -se e foi embora me chamando de idiota.

Lá se foi o meu quadro...